Meu pai era homem serio, sisudo, não digo brabo por que mais que isso, era reservado.Olhos verdes e tristonhos que muito deram trabalho antes de conhecer minha mãe.Mas era cheio de vida, um colecionador de histórias.
Por vezes varava a madrugada em meio è lua cheia e churrasco a fogo de chão contando das proezas que tinha realizado na época da construção da estrada nova.
- Era gente xucra sianinha, mas sem nenhum temor!
Contava histórias, de bicho, histórias de gente e por vezes até histórias de assombração.
- E num é que o tal vulto vinha vindo Sianinha, numa carreira desordenada de embranquecer até caboclo descrente. Puxei da garrucha e quando disparei o vulto sumiu no vento!
E logo passava pra outra.
- Pois tava eu Sianinha caminhando pela quermesse quando de repente me deparei com a criatura mais bonita que já vi, de tão linda parecia pintura!
Segurava nas mãos uma flor e quando me aproximei indaguei: - Flor bonita! É natural ou artificial?
Ela cismou pra mim um olhar brabo e respondeu: - Nem um nem outro, é de papel.
E bateu carreira em direção à igreja. Desde aquele dia minha vida mudou Sianinha, desde aquele dia minha vida mudou...
Dentre todas as outras histórias essa era a preferida de meu pai. Era sobre o dia em que conheceu minha mãe.
Ah, Minha mãe!
Sinhá pequena de anca larga, braba igual o quê.Não havia o que se comparasse. Era carola da irmandade do rosário, mas dona de uma alegria sem tamanho.
Em maio me punha vestes de anjo e saía toda prosa pro mercado.
- Viu Carminha!? Minha filha esse ano é quem põe a coroa de nossa senhora. Véu é respeitoso, palma tem lá seu valor, mas bonito de ver é mesmo a coroa. Sino toca, padre benze, quem põe a coroa em nossa senhora reza duas vezes!
E eu sem entender muito daquilo, achava era divertido o vento bater nas minhas asas enquanto corria pelo pátio da igreja.
- Sianinhaaaaaaa!! Volta aqui menina!
Como já disse minha mãe era um exagero de braba. Comia pelo meio as palavras e se tinha uma coisa que ela não gostava era de me ver desordenada.
Passava horas a fio desembaraçando meu cabelo, dividia em dois molhos e prendia com chiquinha, depois me acarinhava e dizia:
- Ta bonita minha menina!
Eu não entendia o por quê de tanta firula. Afinal ia perder as fitas na correria mesmo!
Logo mais tarde vim a entender que era o jeito que ela tinha de gostar de mim.
Quando fiz sete anos nos mudamos pra cidade. Lá conheci muita gente, conheci primeiro amigo, primeiro namorado e conheci também Sô Figeno. O pipoqueiro da igreja.
Sô Figeno me chamava de mulata.Descia a rua com seu carrinho de pipoca e gritava:
- ôh mulata!!! Mulata.
Que diabo de palavra era essa que não conhecia e me soava tão estranho?! Também, quem com sete anos haveria de saber?!
Pra mim, devia ser algum tipo de remédio de pulga. Será que o sô Figeno me achava com cara de pulga?
Bem, devia ser. Baixinha, pretinha, atarracada como minha mãe.
Taí, eu era uma pulga de nome mulata, comendo pipoca e saltitando quintal afora...
Coisa que reafirmo, deixava minha mãe pelas tamancas.
- Criança é assim mesmo Virginia. Amenizava meu pai.
- Criança dos outros, a minha tem que andar na linha! Retrucava minha mãe.
Não tinha casal mais respeitado que eles. Nem filha mais cheia de orgulho como eu na minha primeira comunhão.
O pai, me deu de presente um anelzinho de prata, que durante muito tempo foi minha única jóia.
Pouco depois meu pai adoeceu. Minha mãe largou mão da obrigação com a casa e bateu sentinela dia e noite no beiral da cama.
Vez ou outra eu aprontava alguma pra trazer pra mim a atenção de minha mãe.
Nada adiantava não, minha mãe era puro sofrimento.
Dias depois, acompanhei minha mãe em silencio, vestida de preto até o derradeiro adeus de meu pai.
Foi aí que de menina passei a moça e de moça passei a mulher e desde então a vida mudou de tom.
Ainda me lembro com alegria, ainda me lembro quando chove. E meu Deus, se o que aprendi com eles é o que é ter amor, eu quero isso sim e em larga estima!