sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sugestão para acompanhar o texto abaixo!

http://www.youtube.com/watch?v=p_AJLDe5SAQ

De alma e palavras

Tomei um texto dele por emprestado.
Suas palavras criavam vida na minha boca.
Meu corpo era instrumento daquilo que ele queria dizer.
Nada muito sensual, apenas um retrato de infância que ele me emprestava.
Conhecimento de alma se resvala no outro?
Leveza de sentido se embota no ser?
Sei é que irmão de alma é criado a revelia de vida.
No momento mais besta, mais branco.
No contraponto que não se espera.
Basta uma partilha de silêncio num momento de agonia,
um refrão cantado junto, um sorriso, um segredo...
Irmão de alma é gozo que não se pede.
Irmão de alma é regalo destinado desde antes do nascido.


E agora o motivo do texto acima:


Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta. Ainda me lembro, a
mãe na porta da cozinha com o taxo na mão olhando os pastos sem fim que rondavam nossa casa. O sol batia forte no terreiro, as galinhas à sombra com as asas abertas, como se pudessem enganar o calor. Em certos dias, quando a mãe cantava essa cantiga, era sinal que o tempo iria virar. O boi existia mesmo, mas do outro lado da cerca, com a cara preta que nunca se viu igual. Eu morria de medo, porque não entendia direito aquele cara brava do boi, me acusando como se eu tivesse feito alguma coisa. Chegar perto da cerca era coisa impossível. Pior era mesmo topar com o boi no meio da estrada de terra. Isso acontecia quando menos se queria. A mãe continuava ali na beira da porta, batendo o taxo que fazia um barulho de doer o ouvido. Tim, Tim, Tim, Tim, Tim, Tim. E o tempo também virava com a cantoria, boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta. As trovejadas rasgavam o céu com um desejo sem fim. Era hora de me esconder na cama com medo da chuva e da lembrança da cara preta e brava do boi. A mãe continuava na cozinha, batendo o taxo, o boi continuava do outro lado da cerca com a cara brava e eu fazia força pra dormir antes da hora, antes da noite. Quando pegava no sono só ouvia bem longa a mãe cantando, boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta


* O Marquinhos me fez esse texto por encomenda, pra um trabalho de dia das mães numa escola.
Me lembro bem de ter dito:
- Quim, preciso de um texto daqueles, e de repente puf...
Ele me chega com um raio x da minha alma.*

domingo, 4 de outubro de 2009

Chuva de vento.





Sempre que chovia nossa imaginação alçava vôo em direção à chuva.
Gotas perfumadas de terra invadiam nossos sentidos.
Em volta se inaugurava outro mundo, outra cor.
Gotas de chuva eram como dialetos distantes; estranhos enigmas rompendo o silêncio.
Era como se apenas nós, guardássemos segredo das palavras.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

As terras de lá.



Ás vezes tenho tanta saudade de casa que me sinto um recipiente vazio.
Procuro me preencher com a vaga lembrança dos dias idos.
Conversas , passeios, pessoas que guardo comigo.
Breves rascunhos dessa nova madureza!
Ás vezes penso que poderia ter esticado um pouquinho mais cada acontecimento, cada olhar, cada sorriso, cada pedacinho do que não mais carrego comigo...
Se fechar os olhos quase posso tocar o que me falta; se me esticar um pouquinho alcanço o céu com as mãos.
Então posso preencher as minhas frestas e respirar aliviada contemplando esse céu.
O meu céu, a minha terra, a minha gente, minha cidade guardada em segredo.

sobre a saudade

Certa vez a lua
certa vez a voz
ou seria a voz da lua
não era a lua e minha voz
não era a minha lua e a voz
era segredo
era noite


(raramente ele me escreve, mas quando escreve, ele arrasa!
Saudades docê Marquim!)

Pequeno presente.



Se me pedisse um céu vermelho te daria orquideas.
Se pedisse um violeta
Te daria sonetos.
Se a luz do sol lhe faltasse
Te brindaria com palavras.
Se ainda sim não cessasse a ausencia te mandaria um sopro de longe, servido com café, acompanhado de saudade.


Para quem sinto falta.

Afirmação!




Porque tenho Minas entranhada até a última gota de sentimento.O murmurio do vento me leva ao balançar encantado dos estandartes!
Suas luas, seus avessos...
Porque tenho Minas selada no peito entre vestes e girassóis.
Numa canção que se revela apenas em noites de Minas por entre as montanhas azuis!
* A foto foi tirada na estrada, entre Barbacena e Tiradentes da última vez que estive em casa.*

Escrita a quatro mãos.



É preciso reinventar a imagem do verso para que ele possa ser.
De memória apagada a poesia é concreta.
É preciso apagar toda a memória de algo existente, para que o novo brote assim, sem memória, todo verso.
É preciso se tornar algo assim, imune, verso e reverso, alvo e sereno como a lua.
É preciso mesmo precisar a textura da seda que acaricia a seda que cobre os corpos, deixando claros os tons de preto, precisando a finura das retículas rubras na sombra de luz que a vela sopra em labareda trêmula, tão imprecisa
Tão insegura, que uma simples bruma, sem mirar o prana desfaz sua imprecisa chama. Tão imprecisa , trêmula labareda, que precisa a finura da reticula rubra no bailar envolvente da serena vela.


Em parceria com meu querido amigo Fred Furtado.

Um pequeno segredo.



Sô Figeno me chamava de mulata.Descia a rua com seu carrinho de pipoca e gritava:- ôh mulata!!!Mulata.Que diacho de palavra era essa que não conhecia e me soava tão estranho?Também, quem com sete anos haveria de saber?!
Pra mim, devia ser algum tipo de remédio pra pulga. Será que o sô Figeno me achava com cara de pulga?Bem devia ser.Baixinha, pretinha, atarracada como minha mãe.Taí, eu era uma pulga de nome mulata, comendo pipoca e saltitando quintal afora....




...



Ainda hoje encontrei o álbum de retrato que a mãe guardava em caixa perfumada. Dentro, lembranças de domingos com saias rodadas, fita no cabelo e sapatinhos de verniz triscando o assoalho.No quintal, sorrisos disfarçados sob olhares rigorosos.Certa feita a mãe disse:- Poesia é tudo aquilo que se vive, tudo aquilo que se move.Depois não mais falou.Hoje, as palavras se tornaram amarelas como a moldura na parede. Quase sempre vivas, quase sempre presentes, porém mergulhadas num profundo silêncio

...Ou Aquilo que nos falta!



Meu pai passou a noite de natal acordado, com a luz apagada e um radinho de pilha na mão.Não disse uma só palavra, nem de dor, nem de tristeza.Perdido na solidão de seu quarto, a escuridão de sua miséria não sorria nem chorava, apenas espiava.Um espiar triste de pesar e isolamento.Quando o dia rompeu pude perceber que minha avó o esperava com grinalda de jasmim Seu rosto na foto amarela não era mais turvo. Meu pai voltou a ser feliz!

Ensaio poético.



Mas não pode ser igual mais e mais e isso me aprisiona.Muito além, entristeço a solidão.Vento largo desde o ocaso até a aurora, apenas a contemplar os altos ventos do continente .
Já não preciso morrer, vivo de fato!A partir de um texto de Fernão Capelo Gaivota, durante uma oficina literária.
* A foto é de Isla Negra(terra do Neruda) no Chile. Posso assegurar que ao vivo é de tirar o fôlego!! *